quarta-feira, 22 de junho de 2016

Resumo de "O Tempo e o Direito" de François Ost Capítulos I e II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
Direito - Noturno
História do Direito

                                                    Sebastião Figueiredo M. Júnior
Resumo de “O Tempo do Direito” – Paper
                                                                   17/03/2016

1. Abertura
François Ost tem como objetivo principal do livro o estudo das relações do direito e do tempo. Para isso, ele demonstra, por meio do mito de Kronos, que desde a Grécia antiga é presente a relação enigmática do tempo e do justo.
Ele tem por objetivo identificar e explicar a relação existente entre Temperança, que é a sabedoria do tempo, e a Justiça, que é a sabedoria do direito, e quais os contributos para o “bom governo”.
Ost articula seu livro em três teses:
Primeira: “o tempo é uma instituição social antes de ser um fenômeno físico e uma experiência psíquica”. Quer dizer que o tempo é uma construção social, é uma questão de poder, uma exigência ética e um objeto jurídico.
O tempo se constrói, se temporaliza. A temporalização é a instituição social do tempo, ou seja, um tempo que participa da sua própria natureza, não continuando a ser exterior às coisas.
Segunda: “a função principal do jurídico é contribuir para a instituição do social.” Ost explica que direito não é apenas sanções e interditos, mas também que é um discurso performativo.
Terceira: “o direito afeta diretamente a temporalização do tempo e, em compensação, o tempo determina a força institunte do direito”. Defende que há um poderoso elo entre temporalização social do direito e instituição jurídica da sociedade. Ost explica que o tempo não permanece exterior à matéria jurídica, mas que é do interior que o direito e o tempo se trabalham mutualmente.
François Ost utiliza um exemplo de “Política”, de Aristóteles, para concluir que o tempo é a própria substância da lei, a condição do seu poder, pois a força da lei é conquistada com o hábito.
Porém, a instituição do tempo pelo direito é frágil e pode ser destemporalizado de quatro formas. A primeira forma é a recusa do tempo como mudança, evolução, finitude e mortalidade. A segunda é o abandono no decurso do tempo físico cujo movimento conduz todas as coisas à destruição. A terceira é a representação de um tempo homogêneo e uniforme, pleno e contínuo. A quarta é a policronia, é a falta de coordenação dos ritmos temporais, falta de instrumentos de solidariedade temporal.
A nostalgia da eternidade, a vertigem da entropia, a crise da cultura e o risco de discronia são riscos de destemporalização bem reais. E é nesse contexto que a instituição jurídica de um tempo social portador de sentido ganha sua acuidade, sua perspicácia.
Ost explica que a memória, o perdão, a promessa e o requestionamento são categorias normativas e temporais que traduzem as dimensões da temporalização normativa. Cada uma exprime uma faceta da instituição jurídica de um tempo portador de sentido.
Por fim, Ost esclarece que seu livro não é de doutrina jurídica nem sociologia do direito, mas sim filosofia do direito e que ele rejeita qualquer espécie de historicismo quanto as quatro dimensões da temporalização normativa.

2. Prelúdio – Um compasso de quatro tempos
François Ost separa sua obra em quatro partes: memória, perdão, promessa e requestionamento. Mas antes explica como a separação com o tempo físico permite evitar a destemporalização.
2.1. Medir, experienciar, temporalizar o tempo
Ost começa afirmando não saber o que é o tempo, nem qual a sua verdadeira medida. O tempo não se reconduz a medida quantitativa de um tempo físico exterior e homogêneo, nem à experiência subjetiva de uma experiência individual.
Ele determina que a medida que se serve da materialidade do tempo dado e da experiência do tempo sentido simultaneamente é o tempo social-histórico., é o tempo produto das construções coletivas da história.
A história dos instrumentos de medida do tempo revela a dependência das necessidades sociais e das configurações culturais. E a elaboração cultural do tempo resulta do avanço das técnicas e de uma questão de poder.
Ost conclui que a medida do tempo social nunca vai se impor por si mesma, mas terá que ser eficaz contra as formas de destemporalização.
2.2. Quatro figuras da destemporalização a nostalgia da eternidade

“A primeira forma de recusa do tempo (entendido no sentido original de mudança) é a nostalgia da eternidade: ilusão, compensação ou imagem móvel da eternidade.”

Para Ost, independente que se projetando para o futuro ou para o passado, a nostalgia da eternidade sempre se trata do “fim dos tempos”. É ela que alimenta a ordem plena da “comunidade identitária” e gera o integrismo, “povo único”. Ost afirma que a nostalgia da eternidade acaba por gerar regimes totalitários, como exemplo o de Hitler, que, segundo ele, queria fechar a humanidade num rigoroso determinismo biológico.

Ele afirma que o direito, ao renunciar às margens da eternidade, escreve-se ao traçar da história.

2.3. A vertigem a entropia
A sociedade estaria condenada a viver no instante da atualidade, ignorando seu passado e seu futuro. A sociedade estaria, então, órfã de história e demasiadamente preocupada com o presente, esquecendo-se  que, desde já, constrói-se um futuro.

A possibilidade de uma construção neguentrópica (as Horais; temperança) de tempo social vem do contrário exposto acima.  Ou seja, da propriedade humana de reflexão do tempo que, ainda passado, não esgotou suas promessas e de um futuro que, ainda indeterminado, não é totalmente aleatório.

O que se vê com a vertigem a entropia é fragilidade da aliança passado-futuro, uma
crise cultural.  Um presente reduzido aos acessos de instantaneidade, aos sobressaltos da urgência e à insignificância do dia a dia.


2.4. A Tentação do Determinismo

O determinismo representa um tempo homogêneo e uniforme, pleno e contínuo. No entanto, paradoxalmente, o determinismo assume agora a forma da mudança radicalizada: uma mudança valorizada para si mesma, que acarreta uma prodigiosa aceleração dos ritmos temporais e se traduz pela imposição da urgência como temporalidade vulgar. O paradoxo consiste em que o determinismo, apesar de comandar esse processo de mudança, abafa qualquer capacidade de verdadeira iniciativa.

No entanto, o tempo de uma sociedade aberta não é regular e uniforme, mas percorrido de hesitações, atravessado de incertezas, empurrado por acontecimentos imprevistos. Sendo assim, entre o acaso e o determinismo, vislumbra-se uma terceira via denominada "Kairos", justa  medida.

A democracia, segundo o autor, faz parte desse contexto, pois é marcada pela indeterminação de suas certezas e empurrada por acontecimentos imprevistos.

2.5. Risco de discronia
Enquanto certas esferas ganham velocidade e o seu ritmo se acelera formalmente, outras, pelo contrário, parecem abrandar e mesmo parar. Trata-se da fragmentação do tempo contemporâneo, ou seja, a sociedade avança em várias velocidades e não há um mecanismo regulador dessas diversas forças. Os tempos não estão concatenados.

Nesse contexto, uma tentativa de retemporalização seria o "direito ao tempo" ou " direito ao seu tempo", ao "seu ritmo". Isso significa que cada sociedade deveria descobrir sua diagonal inédita entre duração e momento e reconstruir um passado segundo suas experiências e um futuro segundo suas expectativas.
François Ost afirma que há inúmeras escalas temporais que se sobrepõem sem que tenham necessariamente os mesmos princípios de encadeamento. Para ele, Braudel demonstrou esses termos para a história, de que exprimia o tempo policrónico e híbrido.
A este respeito, basta com parar o tempo estagnado de centenas de milhões de seres humanos que vivem abaixo do limiar de pobreza com o tempo das trocas comerciais entre países industrializados, e sobretudo o tempo das trocas financeiras que operam em (tempo real) na bula especulativa de praças bolsistas interligadas, em operação vinte e
quatro horas por dia.
 
Para o Autor é evidente que a sincronização dos ritmos sociais se tornou uma das maiores apostas da regulação: quer se trate de partilhar o tempo de trabalho, de redistribuir o tempo livre e o tempo profissional, de repensar a solidariedade entre jovens, ativos e pessoas de idade, de regular as velocidades do crescimento entre regiões do globo, ou ainda de impor as condições de um desenvolvimento durável, em todos os casos de sincronia que se trata, afirma François.
 
2.6. Memória, perdão, promessa, requestionamento: quatro figuras da retemporalização

Memória: Liga o passado assegurando-lhe um registro, uma fundação e uma transmissão. Surge como a projeção da promessa no passado. O respeito à memória constitui a própria condição de um perdão sensato. É pela memória que a sociedade mergulha nas suas raízes, que lhe asseguram identidade e estabilidade.


Perdão: Entendido como a capacidade da sociedade em "saldar o passado": ultrapassá-lo, destruindo o ciclo da vingança e do ressentimento (kronos).  Desliga o passado imprimindo-lhe um sentido novo, portador de futuro

Promessa: A capacidade da sociedade em "creditar o futuro", comprometer-se em relação a ele e dele se apropriar, garantindo-o contra o imprevisível radical, conferindo-lhe de alguma forma um passado. Ou seja,  liga o futuro através de compromissos normativos.

Requestionamento: Este é considerado a antecipação do perdão.  Em tempo útil, desliga o futuro com vista a operar as revisões que se impõem para que na hora das mudanças as promessas sobrevivam.
 
François Ost sublinha que os dois polos essenciais da regulação jurídica do tempo social são: o perdão, entendido em sentido amplo, como essa capacidade da sociedade para saldar o passado: ultrapassá-lo ao estabelecê-lo, libertá-lo destruindo o ciclo sem fim da vingança e do ressentimento; já a promessa, por outro lado, entendida em sentido amplo, como essa capacidade da sociedade para (creditar o futuro), comprometer-se em relação a ele por meio de antecipações normativas que balizarão doravante o seu desenrolar. 
 
Mas, segundo ele, o perdão e promessa não bastam ainda para fazer uma instituição jurídica do tempo social. Por sua vez, cada um dos dois termos se desdobra, relançando a dialética no campo do passado e no campo do futuro. E por isso que ao perdão associamos a memória, e à promessa o requestionamento. A memória surge como a projeção da promessa no passado; quanto ao requestionamento, ele será a antecipação do perdão. De forma mais abrangente, é possível entrever uma escansão em quatro

tempos: ligar e desligar o passado, ligar e desligar o futuro. Parece ser esse o ritmo necessário a uma produção significante do tempo social.
 
Afirma que sem memória, uma sociedade não conseguiria ter uma identidade nem aspirar a qualquer espécie de perenidade; mas sem perdão, expor-se-ia ao risco da repetição compulsiva dos seus dogmas e dos seus fantasmas. Em compensação, o perdão sem memória remete-nos ao caos inicial dos cálculos interesseiros ou reconduz-nos ao confuso abismo do esquecimento.  Radical, o questionamento mergulhar-nos-á, contudo, num tempo indeterminado que, decididamente, nos passa da figura inversa, igualmente pouco portadora de sentido, do tempo canónico da memória obsessiva.

Finaliza, o autor com a síntese: “Libertar a história das suas nostalgias de eternidade, virar a ampulheta para produzir extensões de tempo neguentrópico, apreender o kairos entre acaso e necessidade, conciliar ritmos Sociais sempre ameaçados de discronia... Estas são as apostas do compasso de quatro tempos que nos preparamos agora para tocar.”


quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Direito Romano e Grego no Ordenamento Jurídico

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
SEBASTIÃO FIGUEIREDO MENDES JÚNIOR
HISTÓRIA DO DIREITO
28.01.2016

Obras de:
Paulo Dourado Gusmão
Luiz Carlos de Azevedo

                                             A Influência Grega e Romana no Direito

             O mundo em que vivemos hoje, pelo menos no que diz respeito ao domínio ocidental, é o que é - em grande parte - devido à Grécia e Roma. Desses povos, herdamos hábitos, língua, conhecimento e cultura. É a partir deste último que podemos destacar o Direito. Nesse sentido, como produto cultural, as ferramentas jurídicas que nos foram deixadas ao longo da história, em especial por esses povos, vem sendo lapidadas no nosso cotidiano.
             Há quem pense que não existiam diferenças entre Direito Romano e Grego, entretanto, apesar das semelhanças, pode-se apontar características marcantes e distintas de cada um. Nesse primeiro momento, cabendo-nos destacar suas raízes.

            Para Marcia Bresard a família, de todas as comunidades humanas, é a verdadeira “célula social”. Já Fustel de Coulanges afirma: “Dela provieram todas as instituições, assim como todo o direito privado dos antigos. Foi dela que a cidade tirou seus princípios, as suas regras, os seus usos, as suas magistraturas”. A família tinha seus cultos, seus julgamentos, seus costumes e suas tradições. Geralmente formada de grandes grupos unidas por um ancestral e divindades em comum o sentido de família se caracterizava em seu sentido amplo. O varão mais idoso era o chefe do culto, juiz quanto às questões familiares e titular dos bens da família.
            Do ponto de vista jurídico, até bem pouco tempo, a família era constituída pelo casamento. No começo da sociedade arcaica, o matrimônio realizava-se mediante o rapto, pela captura de mulheres de outros grupos sociais. Depois foi substituído pela compra e venda e o marido mantinha o direito de tutela vitalícia sobre a mulher. Nesse sentido, não há dúvidas em salientar que na Civilização Ocidental, em Grécia e Roma, a família constituía verdadeira unidade política, com suas leis, seus julgamentos e seus cultos.

O DIREITO GREGO

             Segundo Luiz Carlos de Azevedo: “A família é o elemento constitutivo da cidade”. Nesse segmento, podemos tomar como ponto de partida o conceito de cidade-estado, desenvolvido pela cultura grega. Este, vai além do “demos” que abarca tanto o território quanto a população que o habita, mas atinge a periferia, os aldeamentos vizinho e eventualmente o porto. A cidade vista como cidade-estado é, assim, uma comunidade de limites mais amplos do que os geográficos, tanto que compostas pelos cidadãos livres que ali habitam; goza de autonomia administrativa, política e econômica, exercendo poderes autônomos e de soberania. Para Aristóteles, se o homem não tem condições de se realizar a não ser que se associe e se organize em comunidade, esta é a razão de ser da cidade, a qual virá protege-lo e a sua família.

                 Foram, em especial, os gregos que nos deixaram uma organização administrativa e judiciária muito parecida com a que conhecemos nos dias de hoje. A atividade da cidade-estado desenvolveu-se por meio de três órgãos coletivos principais: Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.  O fundamento da democracia se apoiava na soberania popular, expressa pela viva voz dos cidadãos pelos seguintes instrumentos:

- Conselho dos Quinhentos (Boulé): Em Atenas, composto, por sorte, de 50 cidadãos de cada tribo, cuidava principalmente de assuntos religiosos, financeiros, diplomáticos e militares. Tinham também a função de redigir e preparar decretos, enviando-os à assembleia popular, para discussão e aprovação; e ainda controlar a atividade dos magistrados.

- Assembleia Popular (Eclésia): Reunia cidadãos maiores de dezoito anos no pleno exercício de seus direitos políticos. Os assuntos englobavam matéria relativa à política externa, como tratados e alianças, recepção às embaixadas, declaração de guerra. No tocante a administração interna, provisões e armazenamento de cereais, tributos, confisco de bens, ostracismo (exílio), atimia (perda dos direitos civis).

- Tribunal dos Helenistas (Elieu): Júri popular composto de até 6.000 cidadãos, escolhidos por sorte, entre os que tivessem mais de trinta anos.

           Sobre tal enfoque, o direito grego deve ser examinado em profunda consonância com a estrutura da “polis”. Em relação as suas fontes, podemos citar “As Leis” de Platão e “A política e a Ética de Nicômaco” de Aristóteles; e ainda fragmentos das orações deixadas pelos retóricos, Demóstenes, Ésquines, Lísias, Antifonte. Finalmente, a descoberta das leis da cidade de Gortina em Creta e das povoações existentes na Magna Grécia, embora se refira a período anterior ao apogeu helênico.
              Podemos citar, ainda, o direito de Drácon, mais ou menos 600 a.C. Eram, as regras draconianas, penalidades como a pena de morte ou o desterro. A escravidão por dívida, permitida inicialmente, foi abolida com a reforma de Sólon. O Forte dos atenienses foi o direito público. Devemos a eles o primado da lei, em tese, imposta a todos indistintamente. A justiça, pode-se dizer, era a meta do direito grego.

O LEGADO DA GRÉCIA

              O ideal democrático, a forma tripartida de governo, a representação proporcional e o revezamento de dirigentes foram sem dúvidas os maiores legados do ordenamento jurídico-administrativo grego. Já o que chamamos hoje de direito público foi o ramo que mais obteve contribuição da cultura grega. Até mesmo fragmentos muito importantes do direito privado, ainda que de modo modesto, tiveram contribuição grega. Com relação a este último podemos citar o contrato sinalagmático e aos ajustes necessários estabelecidos na compra e venda, empréstimo, fiança, depósito, locação. Além desta, podemos citar a anticrese, a enfiteuse e a hipoteca (garantia imobiliária).       

O DIREITO ROMANO
        
           Foi Roma que teve a vocação jurídica. Distinguiu o direito da Moral e da Religião. Segundo Joseph Declareuil (Roma y la organización del derecho) Roma organizou o direito, não em número de leis, mas por haver “criado uma ciência e uma arte do direito”.
             Sua origem encontra-se, tal como os outros, nos costumes e nas decisões de pontífices. Pode-se dividir a história do direito romano em dois marcos:

- A Lei das XII Tábuas (462 A.C.): Pode-se dizer que afastou o direito da religião. Nesta, continha direito público, direito processual, direito penal e delitos privados:

a) Pretor (praetor): As obscuridades e as lacunas dessa lei levaram a criação dessa figura (367 A.C.), que em seus éditos indicava a ação cabível. O édito que tornava menos draconiana, menos severa, a lei, e preenchia lacunas, adquiriu depois força de lei. Forma-se assim os ius preatorium ou ius honorarium, que, a pretexto de interpretar a Lei das XII Tábuas, a corrigiu, a ampliou e a simplificou.

- Corpus Iuris Civilis, de Justiniano: Conhecido também como código de Justiniano, este consiste na compilação, no império bizantino, de pareceres de renomados juristas (XII d.C.) como Papiniano, Ulpiano e Gaio. Foram esses pareceres que remodelaram o direito romano, criando a ciência jurídica.

               Nesse sentido, temos a cultura romana e grega como os dois pilares do ordenamento jurídico ocidental.  Sabe-se da influência ideológica que os gregos tiveram sobre os romanos principalmente na elaboração da Leis das XII Tábuas, no entanto, no que concerne ao direito, os romanos foram os responsáveis pelo início da cientifização do direito. Foram deles que herdamos a maior parte do nosso ordenamento e as bases da nossa construção social.
              Mil e duzentos anos de formação e cristalização do Direito, na antiguidade; aparente refluxo dos anos intermediários; ressurgimento e reconhecimento no calor da especulação medieval, colhida nas classes universitárias; conservação e utilização nos oito séculos que se seguiram, constituindo a “teoria e a prática dos mais importantes direito europeus”: este, o legado e a inabalável consistência que os Direito Romano e Clássico carregam, ensinam e orientam.

Direito Romano e Grego no Ordenamento Jurídico

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
SEBASTIÃO FIGUEIREDO MENDES JÚNIOR
HISTÓRIA DO DIREITO
28.01.2016

Obras de:
Paulo Dourado Gusmão
Luiz Carlos de Azevedo

                                             A Influência Grega e Romana no Direito

             O mundo em que vivemos hoje, pelo menos no que diz respeito ao domínio ocidental, é o que é - em grande parte - devido à Grécia e Roma. Desses povos, herdamos hábitos, língua, conhecimento e cultura. É a partir deste último que podemos destacar o Direito. Nesse sentido, como produto cultural, as ferramentas jurídicas que nos foram deixadas ao longo da história, em especial por esses povos, vem sendo lapidadas no nosso cotidiano.
             Há quem pense que não existiam diferenças entre Direito Romano e Grego, entretanto, apesar das semelhanças, pode-se apontar características marcantes e distintas de cada um. Nesse primeiro momento, cabendo-nos destacar suas raízes.

            Para Marcia Bresard a família, de todas as comunidades humanas, é a verdadeira “célula social”. Já Fustel de Coulanges afirma: “Dela provieram todas as instituições, assim como todo o direito privado dos antigos. Foi dela que a cidade tirou seus princípios, as suas regras, os seus usos, as suas magistraturas”. A família tinha seus cultos, seus julgamentos, seus costumes e suas tradições. Geralmente formada de grandes grupos unidas por um ancestral e divindades em comum o sentido de família se caracterizava em seu sentido amplo. O varão mais idoso era o chefe do culto, juiz quanto às questões familiares e titular dos bens da família.
            Do ponto de vista jurídico, até bem pouco tempo, a família era constituída pelo casamento. No começo da sociedade arcaica, o matrimônio realizava-se mediante o rapto, pela captura de mulheres de outros grupos sociais. Depois foi substituído pela compra e venda e o marido mantinha o direito de tutela vitalícia sobre a mulher. Nesse sentido, não há dúvidas em salientar que na Civilização Ocidental, em Grécia e Roma, a família constituía verdadeira unidade política, com suas leis, seus julgamentos e seus cultos.

O DIREITO GREGO

             Segundo Luiz Carlos de Azevedo: “A família é o elemento constitutivo da cidade”. Nesse segmento, podemos tomar como ponto de partida o conceito de cidade-estado, desenvolvido pela cultura grega. Este, vai além do “demos” que abarca tanto o território quanto a população que o habita, mas atinge a periferia, os aldeamentos vizinho e eventualmente o porto. A cidade vista como cidade-estado é, assim, uma comunidade de limites mais amplos do que os geográficos, tanto que compostas pelos cidadãos livres que ali habitam; goza de autonomia administrativa, política e econômica, exercendo poderes autônomos e de soberania. Para Aristóteles, se o homem não tem condições de se realizar a não ser que se associe e se organize em comunidade, esta é a razão de ser da cidade, a qual virá protege-lo e a sua família.

                 Foram, em especial, os gregos que nos deixaram uma organização administrativa e judiciária muito parecida com a que conhecemos nos dias de hoje. A atividade da cidade-estado desenvolveu-se por meio de três órgãos coletivos principais: Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.  O fundamento da democracia se apoiava na soberania popular, expressa pela viva voz dos cidadãos pelos seguintes instrumentos:

- Conselho dos Quinhentos (Boulé): Em Atenas, composto, por sorte, de 50 cidadãos de cada tribo, cuidava principalmente de assuntos religiosos, financeiros, diplomáticos e militares. Tinham também a função de redigir e preparar decretos, enviando-os à assembleia popular, para discussão e aprovação; e ainda controlar a atividade dos magistrados.

- Assembleia Popular (Eclésia): Reunia cidadãos maiores de dezoito anos no pleno exercício de seus direitos políticos. Os assuntos englobavam matéria relativa à política externa, como tratados e alianças, recepção às embaixadas, declaração de guerra. No tocante a administração interna, provisões e armazenamento de cereais, tributos, confisco de bens, ostracismo (exílio), atimia (perda dos direitos civis).

- Tribunal dos Helenistas (Elieu): Júri popular composto de até 6.000 cidadãos, escolhidos por sorte, entre os que tivessem mais de trinta anos.

           Sobre tal enfoque, o direito grego deve ser examinado em profunda consonância com a estrutura da “polis”. Em relação as suas fontes, podemos citar “As Leis” de Platão e “A política e a Ética de Nicômaco” de Aristóteles; e ainda fragmentos das orações deixadas pelos retóricos, Demóstenes, Ésquines, Lísias, Antifonte. Finalmente, a descoberta das leis da cidade de Gortina em Creta e das povoações existentes na Magna Grécia, embora se refira a período anterior ao apogeu helênico.
              Podemos citar, ainda, o direito de Drácon, mais ou menos 600 a.C. Eram, as regras draconianas, penalidades como a pena de morte ou o desterro. A escravidão por dívida, permitida inicialmente, foi abolida com a reforma de Sólon. O Forte dos atenienses foi o direito público. Devemos a eles o primado da lei, em tese, imposta a todos indistintamente. A justiça, pode-se dizer, era a meta do direito grego.

O LEGADO DA GRÉCIA

              O ideal democrático, a forma tripartida de governo, a representação proporcional e o revezamento de dirigentes foram sem dúvidas os maiores legados do ordenamento jurídico-administrativo grego. Já o que chamamos hoje de direito público foi o ramo que mais obteve contribuição da cultura grega. Até mesmo fragmentos muito importantes do direito privado, ainda que de modo modesto, tiveram contribuição grega. Com relação a este último podemos citar o contrato sinalagmático e aos ajustes necessários estabelecidos na compra e venda, empréstimo, fiança, depósito, locação. Além desta, podemos citar a anticrese, a enfiteuse e a hipoteca (garantia imobiliária).       

O DIREITO ROMANO
        
           Foi Roma que teve a vocação jurídica. Distinguiu o direito da Moral e da Religião. Segundo Joseph Declareuil (Roma y la organización del derecho) Roma organizou o direito, não em número de leis, mas por haver “criado uma ciência e uma arte do direito”.
             Sua origem encontra-se, tal como os outros, nos costumes e nas decisões de pontífices. Pode-se dividir a história do direito romano em dois marcos:

- A Lei das XII Tábuas (462 A.C.): Pode-se dizer que afastou o direito da religião. Nesta, continha direito público, direito processual, direito penal e delitos privados:

a) Pretor (praetor): As obscuridades e as lacunas dessa lei levaram a criação dessa figura (367 A.C.), que em seus éditos indicava a ação cabível. O édito que tornava menos draconiana, menos severa, a lei, e preenchia lacunas, adquiriu depois força de lei. Forma-se assim os ius preatorium ou ius honorarium, que, a pretexto de interpretar a Lei das XII Tábuas, a corrigiu, a ampliou e a simplificou.

- Corpus Iuris Civilis, de Justiniano: Conhecido também como código de Justiniano, este consiste na compilação, no império bizantino, de pareceres de renomados juristas (XII d.C.) como Papiniano, Ulpiano e Gaio. Foram esses pareceres que remodelaram o direito romano, criando a ciência jurídica.

               Nesse sentido, temos a cultura romana e grega como os dois pilares do ordenamento jurídico ocidental.  Sabe-se da influência ideológica que os gregos tiveram sobre os romanos principalmente na elaboração da Leis das XII Tábuas, no entanto, no que concerne ao direito, os romanos foram os responsáveis pelo início da cientifização do direito. Foram deles que herdamos a maior parte do nosso ordenamento e as bases da nossa construção social.
              Mil e duzentos anos de formação e cristalização do Direito, na antiguidade; aparente refluxo dos anos intermediários; ressurgimento e reconhecimento no calor da especulação medieval, colhida nas classes universitárias; conservação e utilização nos oito séculos que se seguiram, constituindo a “teoria e a prática dos mais importantes direito europeus”: este, o legado e a inabalável consistência que os Direito Romano e Clássico carregam, ensinam e orientam.