UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
Direito - Noturno
História do Direito
Sebastião Figueiredo M. Júnior
Resumo
de “O Tempo do Direito” – Paper
17/03/2016
1. Abertura
François Ost tem como
objetivo principal do livro o estudo das relações do direito e do tempo. Para
isso, ele demonstra, por meio do mito de Kronos, que desde a Grécia antiga é
presente a relação enigmática do tempo e do justo.
Ele tem por objetivo
identificar e explicar a relação existente entre Temperança, que é a sabedoria
do tempo, e a Justiça, que é a sabedoria do direito, e quais os contributos
para o “bom governo”.
Ost articula seu livro
em três teses:
Primeira: “o tempo é
uma instituição social antes de ser um fenômeno físico e uma experiência
psíquica”. Quer dizer que o tempo é uma construção social, é uma questão de
poder, uma exigência ética e um objeto jurídico.
O tempo se constrói, se
temporaliza. A temporalização é a instituição social do tempo, ou seja, um
tempo que participa da sua própria natureza, não continuando a ser exterior às
coisas.
Segunda: “a função
principal do jurídico é contribuir para a instituição do social.” Ost explica
que direito não é apenas sanções e interditos, mas também que é um discurso
performativo.
Terceira: “o direito
afeta diretamente a temporalização do tempo e, em compensação, o tempo
determina a força institunte do direito”. Defende que há um poderoso elo entre
temporalização social do direito e instituição jurídica da sociedade. Ost
explica que o tempo não permanece exterior à matéria jurídica, mas que é do
interior que o direito e o tempo se trabalham mutualmente.
François Ost utiliza um
exemplo de “Política”, de Aristóteles, para concluir que o tempo é a própria
substância da lei, a condição do seu poder, pois a força da lei é conquistada
com o hábito.
Porém, a instituição do
tempo pelo direito é frágil e pode ser destemporalizado de quatro formas. A
primeira forma é a recusa do tempo como mudança, evolução, finitude e
mortalidade. A segunda é o abandono no decurso do tempo físico cujo movimento
conduz todas as coisas à destruição. A terceira é a representação de um tempo
homogêneo e uniforme, pleno e contínuo. A quarta é a policronia, é a falta de
coordenação dos ritmos temporais, falta de instrumentos de solidariedade
temporal.
A nostalgia da
eternidade, a vertigem da entropia, a crise da cultura e o risco de discronia
são riscos de destemporalização bem reais. E é nesse contexto que a instituição
jurídica de um tempo social portador de sentido ganha sua acuidade, sua
perspicácia.
Ost explica que a
memória, o perdão, a promessa e o requestionamento são categorias normativas e
temporais que traduzem as dimensões da temporalização normativa. Cada uma
exprime uma faceta da instituição jurídica de um tempo portador de sentido.
Por fim, Ost esclarece
que seu livro não é de doutrina jurídica nem sociologia do direito, mas sim
filosofia do direito e que ele rejeita qualquer espécie de historicismo quanto
as quatro dimensões da temporalização normativa.
2. Prelúdio – Um
compasso de quatro tempos
François Ost separa sua
obra em quatro partes: memória, perdão, promessa e requestionamento. Mas antes
explica como a separação com o tempo físico permite evitar a destemporalização.
2.1. Medir,
experienciar, temporalizar o tempo
Ost começa afirmando
não saber o que é o tempo, nem qual a sua verdadeira medida. O tempo não se
reconduz a medida quantitativa de um tempo físico exterior e homogêneo, nem à
experiência subjetiva de uma experiência individual.
Ele determina que a
medida que se serve da materialidade do tempo dado e da experiência do tempo
sentido simultaneamente é o tempo social-histórico., é o tempo produto das
construções coletivas da história.
A história dos
instrumentos de medida do tempo revela a dependência das necessidades sociais e
das configurações culturais. E a elaboração cultural do tempo resulta do avanço
das técnicas e de uma questão de poder.
Ost conclui que a
medida do tempo social nunca vai se impor por si mesma, mas terá que ser eficaz
contra as formas de destemporalização.
2.2. Quatro figuras da destemporalização a nostalgia da eternidade
“A primeira forma de recusa do tempo (entendido no sentido
original de mudança) é a nostalgia da eternidade: ilusão, compensação ou imagem
móvel da eternidade.”
Para Ost, independente que se projetando para o futuro ou
para o passado, a nostalgia da eternidade sempre se trata do “fim dos tempos”. É
ela que alimenta a ordem plena da “comunidade identitária” e gera o integrismo,
“povo único”. Ost afirma que a nostalgia da eternidade acaba por gerar regimes
totalitários, como exemplo o de Hitler, que, segundo ele, queria fechar a
humanidade num rigoroso determinismo biológico.
Ele afirma que o direito, ao renunciar às margens da
eternidade, escreve-se ao traçar da história.
2.3. A vertigem a entropia
A sociedade estaria condenada a viver no instante da atualidade,
ignorando seu passado e seu futuro. A sociedade estaria, então, órfã de história
e demasiadamente preocupada com o presente, esquecendo-se que, desde já, constrói-se um futuro.
A possibilidade de uma construção neguentrópica (as Horais;
temperança) de tempo social vem do contrário exposto acima. Ou seja, da propriedade humana de reflexão
do tempo que, ainda passado, não esgotou suas promessas e de um futuro que,
ainda indeterminado, não é totalmente aleatório.
O que se vê com a vertigem a entropia é fragilidade da aliança
passado-futuro, uma
crise cultural. Um presente reduzido aos
acessos de instantaneidade, aos sobressaltos da urgência e à insignificância do
dia a dia.
2.4. A Tentação do
Determinismo
O determinismo representa um tempo homogêneo e uniforme, pleno
e contínuo. No entanto, paradoxalmente, o determinismo assume agora a forma
da mudança radicalizada: uma mudança valorizada para si mesma, que
acarreta uma prodigiosa aceleração dos ritmos temporais e se traduz pela
imposição da urgência como temporalidade vulgar. O paradoxo consiste em
que o determinismo, apesar de comandar esse processo de mudança, abafa qualquer
capacidade de verdadeira iniciativa.
No entanto, o tempo de uma sociedade aberta não é regular e uniforme,
mas percorrido de hesitações, atravessado de incertezas, empurrado por
acontecimentos imprevistos. Sendo assim, entre o acaso e o determinismo,
vislumbra-se uma terceira via denominada "Kairos", justa medida.
A democracia, segundo
o autor, faz parte desse contexto, pois é marcada pela indeterminação de suas
certezas e empurrada por acontecimentos imprevistos.
2.5. Risco de discronia
Enquanto certas esferas ganham velocidade e o seu ritmo se acelera
formalmente, outras, pelo contrário, parecem abrandar e mesmo parar. Trata-se
da fragmentação do tempo contemporâneo, ou seja, a sociedade avança em
várias velocidades e não há um mecanismo regulador dessas diversas forças.
Os tempos não estão concatenados.
Nesse contexto, uma tentativa de retemporalização seria o "direito
ao tempo" ou " direito ao seu tempo", ao "seu ritmo".
Isso significa que cada sociedade deveria descobrir sua diagonal inédita entre
duração e momento e reconstruir um passado segundo suas experiências e um
futuro segundo suas expectativas.
François Ost afirma que há
inúmeras escalas temporais que se sobrepõem sem que tenham necessariamente os
mesmos princípios de encadeamento. Para ele, Braudel demonstrou esses termos para
a história, de que exprimia o tempo policrónico e híbrido.
A este respeito,
basta com parar o tempo estagnado de centenas de milhões de seres humanos que
vivem abaixo do limiar de pobreza com o tempo das trocas comerciais entre
países industrializados, e sobretudo o tempo das trocas financeiras que operam
em (tempo real) na bula especulativa de praças bolsistas interligadas, em
operação vinte e
quatro horas por dia.
quatro horas por dia.
Para o Autor é
evidente que a sincronização dos ritmos sociais se tornou uma das maiores
apostas da regulação: quer se trate de partilhar o tempo de trabalho, de
redistribuir o tempo livre e o tempo profissional, de repensar a solidariedade
entre jovens, ativos e pessoas de idade, de regular as velocidades do
crescimento entre regiões do globo, ou ainda de impor as condições de um
desenvolvimento durável, em todos os casos de sincronia que se trata, afirma
François.
2.6. Memória, perdão, promessa, requestionamento: quatro figuras da retemporalização
Memória: Liga o passado assegurando-lhe um registro, uma fundação e uma transmissão. Surge como a projeção da promessa no passado. O respeito à memória constitui a própria condição de um perdão sensato. É pela memória que a sociedade mergulha nas suas raízes, que lhe asseguram identidade e estabilidade.
Perdão: Entendido como a capacidade da sociedade em "saldar o
passado": ultrapassá-lo, destruindo o ciclo da vingança e do ressentimento
(kronos). Desliga o passado
imprimindo-lhe um sentido novo, portador de futuro
Promessa: A capacidade da sociedade em "creditar o futuro",
comprometer-se em relação a ele e dele se apropriar, garantindo-o contra o
imprevisível radical, conferindo-lhe de alguma forma um passado. Ou seja, liga o futuro através de
compromissos normativos.
Requestionamento: Este é considerado a antecipação do perdão. Em tempo útil, desliga o futuro com
vista a operar as revisões que se impõem para que na hora das mudanças
as promessas sobrevivam.
François Ost sublinha que os dois polos essenciais da regulação jurídica do tempo social são: o perdão, entendido em sentido amplo, como essa capacidade da sociedade para saldar o passado: ultrapassá-lo ao estabelecê-lo, libertá-lo destruindo o ciclo sem fim da vingança e do ressentimento; já a promessa, por outro lado, entendida em sentido amplo, como essa capacidade da sociedade para (creditar o futuro), comprometer-se em relação a ele por meio de antecipações normativas que balizarão doravante o seu desenrolar.
Mas, segundo ele, o perdão e promessa não bastam ainda para fazer uma instituição jurídica do tempo social. Por sua vez, cada um dos dois termos se desdobra, relançando a dialética no campo do passado e no campo do futuro. E por isso que ao perdão associamos a memória, e à promessa o requestionamento. A memória surge como a projeção da promessa no passado; quanto ao requestionamento, ele será a antecipação do perdão. De forma mais abrangente, é possível entrever uma escansão em quatro
tempos: ligar e desligar o passado, ligar e desligar o futuro. Parece ser esse o ritmo necessário a uma produção significante do tempo social.
Afirma que sem
memória, uma sociedade não conseguiria ter uma identidade nem aspirar a
qualquer espécie de perenidade; mas sem perdão, expor-se-ia ao risco da
repetição compulsiva dos seus dogmas e dos seus fantasmas. Em compensação, o
perdão sem memória remete-nos ao caos inicial dos cálculos interesseiros ou
reconduz-nos ao confuso abismo do esquecimento. Radical, o questionamento mergulhar-nos-á,
contudo, num tempo indeterminado que, decididamente, nos passa da figura
inversa, igualmente pouco portadora de sentido, do tempo canónico da memória
obsessiva.
Finaliza, o autor com a síntese: “Libertar a história das suas nostalgias de eternidade, virar a ampulheta para produzir extensões de tempo neguentrópico, apreender o kairos entre acaso e necessidade, conciliar ritmos Sociais sempre ameaçados de discronia... Estas são as apostas do compasso de quatro tempos que nos preparamos agora para tocar.”