quarta-feira, 22 de junho de 2016

Resumo de "O Tempo e o Direito" de François Ost Capítulos I e II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
Direito - Noturno
História do Direito

                                                    Sebastião Figueiredo M. Júnior
Resumo de “O Tempo do Direito” – Paper
                                                                   17/03/2016

1. Abertura
François Ost tem como objetivo principal do livro o estudo das relações do direito e do tempo. Para isso, ele demonstra, por meio do mito de Kronos, que desde a Grécia antiga é presente a relação enigmática do tempo e do justo.
Ele tem por objetivo identificar e explicar a relação existente entre Temperança, que é a sabedoria do tempo, e a Justiça, que é a sabedoria do direito, e quais os contributos para o “bom governo”.
Ost articula seu livro em três teses:
Primeira: “o tempo é uma instituição social antes de ser um fenômeno físico e uma experiência psíquica”. Quer dizer que o tempo é uma construção social, é uma questão de poder, uma exigência ética e um objeto jurídico.
O tempo se constrói, se temporaliza. A temporalização é a instituição social do tempo, ou seja, um tempo que participa da sua própria natureza, não continuando a ser exterior às coisas.
Segunda: “a função principal do jurídico é contribuir para a instituição do social.” Ost explica que direito não é apenas sanções e interditos, mas também que é um discurso performativo.
Terceira: “o direito afeta diretamente a temporalização do tempo e, em compensação, o tempo determina a força institunte do direito”. Defende que há um poderoso elo entre temporalização social do direito e instituição jurídica da sociedade. Ost explica que o tempo não permanece exterior à matéria jurídica, mas que é do interior que o direito e o tempo se trabalham mutualmente.
François Ost utiliza um exemplo de “Política”, de Aristóteles, para concluir que o tempo é a própria substância da lei, a condição do seu poder, pois a força da lei é conquistada com o hábito.
Porém, a instituição do tempo pelo direito é frágil e pode ser destemporalizado de quatro formas. A primeira forma é a recusa do tempo como mudança, evolução, finitude e mortalidade. A segunda é o abandono no decurso do tempo físico cujo movimento conduz todas as coisas à destruição. A terceira é a representação de um tempo homogêneo e uniforme, pleno e contínuo. A quarta é a policronia, é a falta de coordenação dos ritmos temporais, falta de instrumentos de solidariedade temporal.
A nostalgia da eternidade, a vertigem da entropia, a crise da cultura e o risco de discronia são riscos de destemporalização bem reais. E é nesse contexto que a instituição jurídica de um tempo social portador de sentido ganha sua acuidade, sua perspicácia.
Ost explica que a memória, o perdão, a promessa e o requestionamento são categorias normativas e temporais que traduzem as dimensões da temporalização normativa. Cada uma exprime uma faceta da instituição jurídica de um tempo portador de sentido.
Por fim, Ost esclarece que seu livro não é de doutrina jurídica nem sociologia do direito, mas sim filosofia do direito e que ele rejeita qualquer espécie de historicismo quanto as quatro dimensões da temporalização normativa.

2. Prelúdio – Um compasso de quatro tempos
François Ost separa sua obra em quatro partes: memória, perdão, promessa e requestionamento. Mas antes explica como a separação com o tempo físico permite evitar a destemporalização.
2.1. Medir, experienciar, temporalizar o tempo
Ost começa afirmando não saber o que é o tempo, nem qual a sua verdadeira medida. O tempo não se reconduz a medida quantitativa de um tempo físico exterior e homogêneo, nem à experiência subjetiva de uma experiência individual.
Ele determina que a medida que se serve da materialidade do tempo dado e da experiência do tempo sentido simultaneamente é o tempo social-histórico., é o tempo produto das construções coletivas da história.
A história dos instrumentos de medida do tempo revela a dependência das necessidades sociais e das configurações culturais. E a elaboração cultural do tempo resulta do avanço das técnicas e de uma questão de poder.
Ost conclui que a medida do tempo social nunca vai se impor por si mesma, mas terá que ser eficaz contra as formas de destemporalização.
2.2. Quatro figuras da destemporalização a nostalgia da eternidade

“A primeira forma de recusa do tempo (entendido no sentido original de mudança) é a nostalgia da eternidade: ilusão, compensação ou imagem móvel da eternidade.”

Para Ost, independente que se projetando para o futuro ou para o passado, a nostalgia da eternidade sempre se trata do “fim dos tempos”. É ela que alimenta a ordem plena da “comunidade identitária” e gera o integrismo, “povo único”. Ost afirma que a nostalgia da eternidade acaba por gerar regimes totalitários, como exemplo o de Hitler, que, segundo ele, queria fechar a humanidade num rigoroso determinismo biológico.

Ele afirma que o direito, ao renunciar às margens da eternidade, escreve-se ao traçar da história.

2.3. A vertigem a entropia
A sociedade estaria condenada a viver no instante da atualidade, ignorando seu passado e seu futuro. A sociedade estaria, então, órfã de história e demasiadamente preocupada com o presente, esquecendo-se  que, desde já, constrói-se um futuro.

A possibilidade de uma construção neguentrópica (as Horais; temperança) de tempo social vem do contrário exposto acima.  Ou seja, da propriedade humana de reflexão do tempo que, ainda passado, não esgotou suas promessas e de um futuro que, ainda indeterminado, não é totalmente aleatório.

O que se vê com a vertigem a entropia é fragilidade da aliança passado-futuro, uma
crise cultural.  Um presente reduzido aos acessos de instantaneidade, aos sobressaltos da urgência e à insignificância do dia a dia.


2.4. A Tentação do Determinismo

O determinismo representa um tempo homogêneo e uniforme, pleno e contínuo. No entanto, paradoxalmente, o determinismo assume agora a forma da mudança radicalizada: uma mudança valorizada para si mesma, que acarreta uma prodigiosa aceleração dos ritmos temporais e se traduz pela imposição da urgência como temporalidade vulgar. O paradoxo consiste em que o determinismo, apesar de comandar esse processo de mudança, abafa qualquer capacidade de verdadeira iniciativa.

No entanto, o tempo de uma sociedade aberta não é regular e uniforme, mas percorrido de hesitações, atravessado de incertezas, empurrado por acontecimentos imprevistos. Sendo assim, entre o acaso e o determinismo, vislumbra-se uma terceira via denominada "Kairos", justa  medida.

A democracia, segundo o autor, faz parte desse contexto, pois é marcada pela indeterminação de suas certezas e empurrada por acontecimentos imprevistos.

2.5. Risco de discronia
Enquanto certas esferas ganham velocidade e o seu ritmo se acelera formalmente, outras, pelo contrário, parecem abrandar e mesmo parar. Trata-se da fragmentação do tempo contemporâneo, ou seja, a sociedade avança em várias velocidades e não há um mecanismo regulador dessas diversas forças. Os tempos não estão concatenados.

Nesse contexto, uma tentativa de retemporalização seria o "direito ao tempo" ou " direito ao seu tempo", ao "seu ritmo". Isso significa que cada sociedade deveria descobrir sua diagonal inédita entre duração e momento e reconstruir um passado segundo suas experiências e um futuro segundo suas expectativas.
François Ost afirma que há inúmeras escalas temporais que se sobrepõem sem que tenham necessariamente os mesmos princípios de encadeamento. Para ele, Braudel demonstrou esses termos para a história, de que exprimia o tempo policrónico e híbrido.
A este respeito, basta com parar o tempo estagnado de centenas de milhões de seres humanos que vivem abaixo do limiar de pobreza com o tempo das trocas comerciais entre países industrializados, e sobretudo o tempo das trocas financeiras que operam em (tempo real) na bula especulativa de praças bolsistas interligadas, em operação vinte e
quatro horas por dia.
 
Para o Autor é evidente que a sincronização dos ritmos sociais se tornou uma das maiores apostas da regulação: quer se trate de partilhar o tempo de trabalho, de redistribuir o tempo livre e o tempo profissional, de repensar a solidariedade entre jovens, ativos e pessoas de idade, de regular as velocidades do crescimento entre regiões do globo, ou ainda de impor as condições de um desenvolvimento durável, em todos os casos de sincronia que se trata, afirma François.
 
2.6. Memória, perdão, promessa, requestionamento: quatro figuras da retemporalização

Memória: Liga o passado assegurando-lhe um registro, uma fundação e uma transmissão. Surge como a projeção da promessa no passado. O respeito à memória constitui a própria condição de um perdão sensato. É pela memória que a sociedade mergulha nas suas raízes, que lhe asseguram identidade e estabilidade.


Perdão: Entendido como a capacidade da sociedade em "saldar o passado": ultrapassá-lo, destruindo o ciclo da vingança e do ressentimento (kronos).  Desliga o passado imprimindo-lhe um sentido novo, portador de futuro

Promessa: A capacidade da sociedade em "creditar o futuro", comprometer-se em relação a ele e dele se apropriar, garantindo-o contra o imprevisível radical, conferindo-lhe de alguma forma um passado. Ou seja,  liga o futuro através de compromissos normativos.

Requestionamento: Este é considerado a antecipação do perdão.  Em tempo útil, desliga o futuro com vista a operar as revisões que se impõem para que na hora das mudanças as promessas sobrevivam.
 
François Ost sublinha que os dois polos essenciais da regulação jurídica do tempo social são: o perdão, entendido em sentido amplo, como essa capacidade da sociedade para saldar o passado: ultrapassá-lo ao estabelecê-lo, libertá-lo destruindo o ciclo sem fim da vingança e do ressentimento; já a promessa, por outro lado, entendida em sentido amplo, como essa capacidade da sociedade para (creditar o futuro), comprometer-se em relação a ele por meio de antecipações normativas que balizarão doravante o seu desenrolar. 
 
Mas, segundo ele, o perdão e promessa não bastam ainda para fazer uma instituição jurídica do tempo social. Por sua vez, cada um dos dois termos se desdobra, relançando a dialética no campo do passado e no campo do futuro. E por isso que ao perdão associamos a memória, e à promessa o requestionamento. A memória surge como a projeção da promessa no passado; quanto ao requestionamento, ele será a antecipação do perdão. De forma mais abrangente, é possível entrever uma escansão em quatro

tempos: ligar e desligar o passado, ligar e desligar o futuro. Parece ser esse o ritmo necessário a uma produção significante do tempo social.
 
Afirma que sem memória, uma sociedade não conseguiria ter uma identidade nem aspirar a qualquer espécie de perenidade; mas sem perdão, expor-se-ia ao risco da repetição compulsiva dos seus dogmas e dos seus fantasmas. Em compensação, o perdão sem memória remete-nos ao caos inicial dos cálculos interesseiros ou reconduz-nos ao confuso abismo do esquecimento.  Radical, o questionamento mergulhar-nos-á, contudo, num tempo indeterminado que, decididamente, nos passa da figura inversa, igualmente pouco portadora de sentido, do tempo canónico da memória obsessiva.

Finaliza, o autor com a síntese: “Libertar a história das suas nostalgias de eternidade, virar a ampulheta para produzir extensões de tempo neguentrópico, apreender o kairos entre acaso e necessidade, conciliar ritmos Sociais sempre ameaçados de discronia... Estas são as apostas do compasso de quatro tempos que nos preparamos agora para tocar.”